Nada é mais como no Ensino Médio e nada é mais como no ano passado. Nos tempos de escola, acordar costumava ser uma tarefa estressante - principalmente no último ano, quando a pressão que o tempo fazia era intensa e eu chegava a ter sonhos comigo perdendo a hora e, consequentemente, a condução. Quando acabou, minhas manhãs passaram a ter horários livres (apesar de nem sempre desregulados) e meu sono costumava ser uma das últimas preocupações possíveis.
Nos últimos três meses, o despertador do celular tem tocado às 05:15.
Abro os olhos, passo alguns segundos lembrando de pessoas e momentos que me deixaram feliz nos últimos dias e então vou direto pro quarto do meu pai, onde tem um espelho enorme no qual eu consigo um reflexo dos pés à cabeça - o que, convenhamos, não é muito difícil para quem tem 1,55 de altura. Pego um pente na prateleira e curvo as pontas do cabelo para dentro, para que ele não fique esvoaçado pelo resto do dia. A essa hora, papai já está acordado, fez café e agora reclama e procura pela casa o que fazer.
Enxáguo a boca e lavo o rosto, pensando no que vou vestir hoje: quais roupas eu já usei essa semana? Quais estão limpas?. Pego o celular, levo até à janela da sala - onde tem alcance do wi-fi - procuro por "clima" no Google e checo a máxima temperatura por volta das 12h. Droga. 30ºC.
Passo pela cozinha observando na mesa o que vou pegar para comer correndo e nela tem pães. Pães por todos os lados, nada mais que pães. Pão doce, pão francês, pão sovado. Entro no quarto e procuro uma calça jeans, uma camiseta, um casaco e um par de meias. Dentro do banheiro, visto tudo relativamente rápido e coloco o par de meias na janela da sala, porque é lá que estão os all stars brancos que eu vou usar hoje.
Lavo as mãos, pego um pedaço de um pão qualquer e como enquanto checo e respondo as mensagens do dia anterior. Papai me apressa, acrescenta cinco minutos à hora que marca no relógio analógico da parede da cozinha e eu revido, corrigindo o horário. Dentro da minha cabeça, no entanto, surge um senso de urgência e começo a verificar os itens principais; coloco cinco reais no bolso direito da calça, dez no bolso esquerdo, a chave de casa no bolso do casaco, vejo se na mochila tem o livro que devo à biblioteca, o livro para ler no metrô, a apostila de português, o caderninho, o estojo, a garrafa d'água cheia pela metade, a carteira com dinheiro, a carteirinha de estudante, o bilhete único e o guarda-chuva.
Escovo os dentes, passo protetor solar no meu rosto que está ressecado de tanto dormir virada para o lado direito da cama e termino com um pouco de batom quase rosa porém vermelho que raptei ainda novo das bagunças da minha mãe. Passo pela prateleira com perfumes, pulo aquele que tem cheiro de armário de vó e escolho o único que gosto porque, apesar de não ser meu costume, ajuda, de alguma forma, a me sentir confiante.
Então já são 6:00 e é tempo de partir. Coloco os sapatos o mais rápido possível, a bolsa nas costas, faço uma cama improvisada para cada uma das cachorras, fecho a porta e desço as escadas correndo.
O caminho até o ponto é feito em iluminação precária, salvo pela luz da enorme lua cheia. Corremos, meu pai e eu, pela subida íngreme e esperamos os carros nos darem uma trégua até ser possível atravessar a rua. Esse lugar devia ter uma faixa de pedestres. Ao lado, os carros na rodovia em sentido contrário ao que estamos andando fazem o vento confrontar nossos rostos e cabelos, até que finalmente chegamos ao ponto, que está totalmente vazio.
Ônibus passam o tempo todo, mas só às 6:10 aquele que eu pego chega e então eu aceno para meu pai e dou o sinal para o motorista parar. Digo "Bom dia" com um breve sorriso, procuro um espaço livre para me encaixar sem ter problemas com equilíbrio e coloco o bilhete no bolso mais próximo. São quase trinta minutos em que penso novamente nos bons momentos que têm acontecido, no que fazer com o tempo livre, observo a paisagem que não mudou quase nada desde a primeira vez em que fiz esse trajeto e, com olhares furtivos, leio conversas de whatsapp alheias, observo as músicas em suas playlists e as notícias em suas timelines do Facebook.
Perto do terminal, me movimento com intenções de passar a catraca e o faço assim que paramos. Desço e, na caminhada até a escada que leva ao metrô, indianos, haitianos e brasileiros oferecem balas e acessórios para celular. Tem muitos passageiros fazendo o mesmo caminho que eu agora: dos seus respectivos ônibus até a entrada da estação.
Olho ao redor, procuro por alguém conhecido (para ter tempo de fugir), desço as escadas rolantes pelo lado direito, onde posso ficar parada. Ainda tem um espaço até a passagem e dá pra ver ao redor a fila para comprar bilhetes e pessoas fazendo o sentido contrário, chegando no terminal. Encosto o bilhete na catraca e duas luzes acendem: uma vermelha e uma verde. "Passe Livre".
Outras três escadas. Duas rolantes e uma normal, que é atalho aos primeiros vagões, em que dá pra ver os trilhos, já que nessa linha não tem condutor e tem menos pessoas do que nos do meio. Já tem um amontoado de gente na frente dos dois lados plataformas de embarque, então escolho a segunda, porque sei que lá tenho mais chances de conseguir um banco branco vazio, já que os cinzas são preferenciais.
Quando as portas se abrem com um apito, todos que vêm do centro saem e então podemos entrar - nos primeiros segundos, é como uma dança das cadeiras gigante. A diferença de uma brincadeira é que não tem música e muitos dos participantes estão infelizes, cansados; quase ninguém conversa, a não ser com seus próprios celulares.
Um novo apito e estamos em movimento. Cada um, sentado ou em pé, acha um jeito de passar o curto tempo de deslocamento diário - com livros, celulares, tablets, simplesmente olhando pro nada ou, minha distração favorita, observando os trilhos. A mensagem gravada transmite avisos de como se portar nas estações e sobre o trajeto, enquanto um fluxo de pessoas entra e sai dos vagões.
No fim da linha, é a minha vez de descer. Passo os olhos nas máquinas que vendem bebidas, acessórios para celular, doces, pipoca e até livros. Me distraio observando os títulos e tomo cuidado para não esbarrar em ninguém, enquanto encaro mais um imenso lance de escadas. A normal tem menos gente e com certeza vai me deixar cansada, mas a rolante é lotada e não traz esforço nenhum. Escolho a mais fácil e prometo a mim mesma que da próxima vez a escolha será diferente.
Levam alguns poucos minutos até chegar na plataforma e o processo de repete: escolher uma lugar conveniente (na frente da lixeira, onde a porta que dá bem de frente pra escada para), entrar, uma estação, sair, escada, catraca, escada.
E barraquinhas vendendo café da manhã surgem, a Avenida, a igreja que sempre toca seu sino na hora errada, aquela árvore engraçada que tem o tronco trançado, as revistas da banca de jornal que sempre olho com desejo mas nunca compro. Eu vejo os bolivianos de bicicleta levando seus filhos pra escola e aquela senhora que cata lixo do lado da faculdade sorrindo, um sorriso infinito.
Mostro a carteirinha com meu nome aos porteiros, um bom dia a eles e o cenário muda completamente: agora são só prédios, alunos, professores. Vou pra sala, cumprimento conhecidos e espero nos corredores a aula começar.